quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Praxe: na Universidade e na vida, integra-te na cobardia

Felizmente, longe vão os tempos em que ao se entrar na Universidade já se era "doutor". E que ser "doutor" era uma espécie de título nobiliárquico da República, perante a qual a plebe respeitosamente se vergava com um "senhor doutor" em cada frase. A Universidade, democratizada e aberta a muitíssimo mais gente, perdeu a capacidade de oferecer aos seus estudantes prestígio social. E foi aí que, fora da cidade de Coimbra, começou a inventar-se uma tradição. A tradição académica. Mas até aqui tudo bem. Amigo não empata amigo. Cada um veste os trajes que entender e ninguém tem nada a ver com isso.
Compreendo esta necessidade de ritualizar aquele momento da vida. Para muita gente a entrada na Universidade não é uma mera continuação dos estudos. É motivo de orgulho familiar. Resultado de enormes sacrifícios de pais e filhos. No momento em que entram na Academia muitos daqueles caloiros acreditam que conseguiram dar o primeiro passo na sonhada ascensão social. Serei o último a julgar.
Bem diferente é a praxe. Também ela pretende dar àquele momento uma importância que não tem. É um ritual de passagem sem qualquer tradição na maioria das faculdades - também elas recentes. Bruno Moraes Cabral acompanhou este momento. Em Lisboa, Santarém, Coimbra, Setúbal e Beja. E fez um documentário que estreia, no DocLisboa, na próxima sexta-feira (Culturgest, Pequeno Auditório, 21h). Chama-se "Praxis", a origem grega da palavra "praxe". Tudo o que filmou foi com autorização dos envolvidos. Ali não está, portanto, aquilo que os próprios podem ver como um abuso ou um excesso. É a versão soft da praxe.
O que vemos é uma sucessão de humilhações consentidas - ou toleradas por quem, estando fora do seu meio, não tem coragem de dizer que não. A boçalidade atinge níveis abjectos. Os gritos alarves , a exibição de simulações forçadas de atos sexuais, o exercício engraçadinho do poder arbitrário de quem, por uns dias, não conhece qualquer limite. Tudo isso impressiona quem tenha algum amor próprio e respeito pela sua autonomia, liberdade e dignidade. Mas a questão é mais profunda do que a susceptibilidade de cada um. É o que aquilo quer dizer.
Como o documentário não é um mero ato de voyeurismo, mostra-nos o outro lado. Como a esmagadora maioria dos caloiros se sente bem naquela pele. Porquê? Porque, como já disse, aquilo marca o início de um momento que julgam que mudará a sua vida. Mas, acima de tudo, porque os "integra". E não se trata de uma mentira. De facto, naqueles rituais violentos e humilhantes, conhecem pessoas e sentem-se integrados num grupo. Eles são, naquele momento, rebaixados da mesma forma. Não há discriminações. São todos "paneleiros", "putas", "vermes". Na sua passividade e obediência, não se distinguem. Até, quando deixarem de ser caloiros, terem direito à mesma "dignidade" de que gozam os que bondosamente os maltrataram. Aceitam. Porque, como escrevia Jean-Paul Sartre, "é sempre fácil obedecer quando se sonha comandar".
Sim, a praxe integra. A questão é saber em que é que ela integra. Porque a integração não é obrigatoriamente positiva. Se ela nivela todos por baixo deve ser evitada a todo o custo. Perante o que é degradante os espíritos críticos distinguem-se e resistem. Não se querem integrar.
Ingénuos, supomos que a Universidade deveria promover o oposto: a exigência, o sentido critico, a capacidade de recusar a tradição pela tradição, a distinção. A Academia que aceita o espírito bovino da obediência está morta. Porque será incapaz de inovar, de pôr em causa e de questionar o resto da sociedade. A universidade que, através de rituais (que têm um significado), promove o seguidismo e a apatia, não é apenas inútil para a comunidade. É um problema para o conhecimento e para a cidadania.
Mais do que as cenas dignas de muito do telelixo que nos entra em casa, o que impressiona é a relação que a comunidade mantém com aquilo. São raros os que põem em causa tão estúpida tradição sem tradição nenhuma. E é normal. Vemos no documentário como as estruturas universitárias - corpo diretivo e docente - não só toleram como promovem a boçalidade. As autarquias emprestam meios. As empresas de bebidas patrocinam. E até membros do clero vão lá benzer a coisa, perante jovens de caras pintadas ou com penicos na cabeça. Não se trata apenas de um momento de imbecilidade de alguns jovens e adolescentes. Porque é aceite por todos, porque é mesmo assim que as coisas são, foi institucionalizada e parece ser vista por todos como um momento que dá dignidade à Universidade.
Assim, com pequenos gestos simbólicos, se forja a alma de cidadãos sem fibra. Incapazes de dizerem que não. Incapazes de se distinguirem dos demais. A praxe é a iniciação de uma longa carreira de cobardia. Na escola, perante as verdades indiscutíveis dos "mestres". Na rua, perante o poder político. Na empresa, perante o patrão. A praxe não é apenas a praxe. É o processo de iniciação na indignidade quotidiana. O pior escravo é aquele que não se quer libertar. E que encontra na escravidão o conforto de ser como os outros. Os caloiros que aceitam a praxe não são ainda escravos. Apenas treinam para o ser.

Autor: Daniel Oliveira (www.expresso.pt)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Mãe

           Não há palavras para descrever este amor sem fronteiras que existe entre uma mãe e uma filha. É um olhar, um sorriso, uma palavra meiga, um gesto que nos liga num laço infindável de amor. É ver os anos a passar, as dificuldades a chegar e lá está a filha para, agora no papel de mãe, dar um mimo, um carinho, umas palavras de ternura e dizer "deixa estar, não tenhas medo, eu estou aqui". É devolver em dobro todo o carinho e segurança que nos foi dado em criança.
Nós, filhos, que sempre pensamos que os pais são imortais, vemos ao longo dos anos que aos poucos tudo se vai deteriorando e afinal eles partem. Mas a mãe! ah! a Mãe é sempre especial! Foi do seu ventre que saímos. Foi toda a ligação de nove meses que permanece ao longo de uma vida e que nunca se desliga. O cordão umbilical só se parte quando ela parte também!
            E no meu caso (permita-se-me o egoísmo!), quando ela partir, eu acho que parte de mim vai com ela!
            Mãe! É um amor sem limites, é afinal o melhor e o maior amor do mundo! Adoro-te minha Mãe!

Maria Teixeira Gomes

IMPRESSÕES VISUAIS

Eu vejo aquilo que sou,
Tudo o que vejo é meu.
Com os olhos beijo o mundo,
Abraço a terra e o céu.

No silêncio sei os sons
E com eles eu naufrago
No mar de todos os tons
Das cores que comigo trago.

Toda a beleza me dói
Com medo de a não ver.
Só quando a sinto em mim
Nela me sinto perder.
 

Ofir, 8 de Abril de 2011

José Coimbra Barbosa

Recordando tempo que não volta…

           Habituado a escrever sobre problemas políticos da vida quotidiana nacional e citadina, vou hoje alterar a norma fugindo à rotina, para me fixar dessa vez em casos concretos, ou seja, trazendo ao domínio público um “conto real” que vivi oportunamente, e que ocasionou na minha mente, uma reflexão profunda e fez explodir toda a sensibilidade do meu pensamento.
         Apreciador intransigente de valores tradicionais, hoje muito arredados da sociedade decadente em que vivemos, e os quais, na minha óptica, são factor fundamental para o evoluir correcto de qualquer geração, corro o risco de provavelmente ser considerado um “velho do Restelo”, dado que a actual juventude, por deficiência de educação, vive de forma totalmente diferente, sem saber verdadeiramente que valores tradicionais são baluarte de qualquer sociedade.
         Feito esse preâmbulo, passo a narrar o sucedido.
         Certa manhã, na sequência rotineira da minha condição de reformado, fui como de costume encontrar-me com um grupo de amigos, que denomino de “brigada do reumático”. Esse encontro é feito normalmente num café da nossa cidade; a coesão entre nós tem valor significativo, pois quando alguém do grupo falha, a preocupação é grande, porque amamos a vida, embora sem grande temor à morte, e quando perdermos um amigo, também morrerá um pouco de cada um de nós.
         Nesse dia a que me estou a referir, a rotina foi quebrada com a presença de pessoas não habituais naquele local, cuja juventude oscilava entre os 65 e 70 anos de idade, os quais irradiavam olhares brilhantes de alegria, constatando eu que, cada vez que mais uma pessoa se juntava a eles, os abraços eram efusivos, sinceros, e neles transbordavam imenso prazer. Obviamente que a minha curiosidade já não tinha limites, e indagado vim a saber que se tratava de um grupo de ex-alunos do Curso Geral do Comércio (2º ano, 2ª turma de 1951), que todos os anos se reúnem num almoço de confraternização, para reviver o passado e assim, recordarem o tempo vivido na escola que os transportou para a “universidade da vida”.
         Embora não fazendo parte do grupo, também eu fiquei feliz, pois recordar o passado faz parte do presente e prepara o futuro; quem assim não pensa, esquece o tempo maravilhoso da nossa juventude e os momentos excepcionais que vivemos na escola, onde despreocupados não sabíamos ainda aquilo que o futuro nos reservava. Aquele momento me ocasionou um dia diferente, pois inclusive tive a oportunidade de conhecer alguém, filha de um velho conhecido, que me fez recordar o pai, dada a semelhança fisionómica com a sua origem.
         Acredito ainda em valores tradicionais que se esfumaram no tempo, por isso recordo com saudade os meus tempos de escola, onde adquiri conhecimentos básicos que ainda hoje me são úteis, apesar de com 86 anos estar terminando o meu prazo de validade.
         Neste dia diferente, também eu revivi os meus tempos de escola, professores e colegas (a maioria deles já falecidos). Constatei com tristeza a diferença entre gerações, pois então, o respeito por quem nos ensinava, tinha real valor ao limite de, já casado e com filhos, beijar a minha professora, com sincero respeito e carinho, como reconhecimento por tudo que me ensinou.
         Termino este “conto real”, felicitando esse grupo de antigos alunos que, reunidos uma vez por ano, não esquecem valores que para mim, constituem baluarte duma sociedade que, ignorando-os, vai caindo em decadência… Estou convicto que nesse dia, todos eles se sentiram rejuvenescidos, recordando tempo que não volta, razão forte e humana para sentir nostalgia. Se porém, te chamarem velho, reage com indignação, pois  já tens a vantagem e a certeza, ele a terá ou não.

António Fernandes Ferreira