terça-feira, 19 de julho de 2011

Pretérito imperfeito

   Uma era de governação que não pode ser definida por ter praticado uma política de esquerda e menos ainda de direita, passou. E dela ficaram, sobretudo dívidas, estatísticas camufladas e muitas obras sem o menor benefício para a população. O Partido Socialista flagelou o futuro do país e deixou um rasto de incertezas, que hoje se manifestam como fantasmas que pairam sobre a economia, nomeadamente: As agências de rating.
   Não restam dúvidas de que os sacrifícios impostos aos portugueses serão severos e incontornáveis, mas o vislumbre de que tudo valerá a pena transfigura-se hoje, como um acto de fé, visto que os dados não apontam para a direcção do crescimento económico. Embora os esforços do novo governo e da população trabalhadora sejam visíveis, o país está a ser bombardeado com números lançados do exterior a desvalorizar toda esta nova dinâmica.
   A baixa classificação em que Portugal foi lançado nos mercados internacionais ultrapassou o limite especulativo, e traduz a ganância desmedida de investidores estrangeiros e um evidente ataque financeiro contra a moeda única europeia. Uma questão impõe-se diante deste cenário: Como Portugal poderá contra-atacar e criar uma imagem de estabilidade financeira? Visto que as medidas internas já caminham para esta direcção, resta-nos apenas uma hipótese: A União Europeia.
   Os sucessivos erros governativos dos últimos anos não diferenciam Portugal dos restantes países da União Europeia, porque no conjunto, a Europa não se estruturou para enfrentar esta crise. É imprescindível que o Parlamento Europeu crie (e já devia ter criado) um sistema de peso que contrabalance os índices das agências de rating para defender os países membros, e accione os mecanismos necessários para responsabilizar em tribunal todas as fraudes que venham a ser constatadas, e que foram utilizadas para favorecer o interesse dos grandes grupos financeiros internacionais.

Renato Córdoba

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Carta ao Vinicius 2011

Há 40 anos que te leio, te ouço e te canto. Desde a adolescência, sigo os teus passos. Lembro-me tão bem de te ver na televisão (dizia-se assim quando era um só canal, a preto e branco), trazendo cor com as tuas palavras, poemas e canções, a um país tão triste e cinzento. Lembro a histórica gravação em casa de Amália Rodrigues num serão com Natália Correia, David Mourão-Ferreira e José Carlos Ary dos Santos, em 1968. Lembro como o Operário em Construção se tornou hino nos meus tempos de activismo estudantil (72/73) e de militância revolucionária (74/75). Clássica na sua modernidade, a tua poesia desceu do Olimpo a que só os intelectuais têm acesso e passeou-se pelas ruas, foi à praia, vadiou pelos bares, bebeu cerveja olhando o balanço do andar das garotas que passavam. São teus os mais belos poemas que de amor em português se escreveram depois de Camões. Fizeste da Língua a tua Pátria e, pela tua mão, o lirismo lusitano viajou mundo. A tua poesia deu o tom a Jobim para compor canções que são hoje património da Humanidade. Mas, mais do que do mundo, são meu património afectivo, companhia dos bons e maus momentos, banda sonora de uma vida que, sem os teus poemas, a música do Tom Jobim e a voz e violão do João Gilberto seria menos ensolarada e mais vazia. Como já referi, ninguém, depois de Camões, cantou como tu o amor: o amor que disseste ser chama eterna enquanto dura. Ninguém como tu amou tão absolutamente as mulheres e lhes foi tão absolutamente fiel na infidelidade. Homem de todos vícios (palavra construída com os sons iniciais e finais do teu nome), bebeste intensamente os teus quase 67 anos de vida (há só uma, lembras-te?). Deixaste o palco quando todas as luzes se apagaram, em 9 de Julho de 1980. Nesse dia, senti que qualquer coisa também se apagava dentro de mim e fiquei triste. Chorei-te, poucos dias depois, na Festa do Avante, ouvindo os teus amigos do MPB4, o Chico Buarque, o Edu Lobo e a Simone cantando-te e falando de ti. Depois, em Agosto, no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, na cidade maravilhosa, vi o público todo emocionar-se num concerto do teu parceiro Baden Powell quando a tua imagem surgiu no ecrã e um poema se ouviu. Ainda nesse mês, no Rio, bebi à tua saúde um chopp gelado em Ipanema, no bar que tem o nome da Garota, e vadiei pela rua que tem o teu nome. E continuei a ler/ouvir os teus poemas e canções, sempre. Quando estreou o filme do Miguel Faria Jr., fui logo vê-lo e comovi-me intensamente. Estavas lá todo, desnudado, com todos os vícios que cabem na palavra Vinicius, com todo o amor e toda a dor que cabem numa vida bebida intensamente até ao fundo. E estavam estórias, tantas estórias, contadas pelo Chico, pelo Caetano, pela Bethânia, pelo Gil pelo Toquinho, pelo Edu Lobo pela Tónia Carrero, pelo Ferreira Gullar e  tantos outros. E estavam as canções, tantas canções, cantadas pela Adriana Calcanhotto, pela Olívia Byington, pelo Zeca Pagodinho e tantos outros. E estavas tu, falando de poesia, de amor, dos amigos, da boémia das noites do Rio. Gostei muito, muito. Gostei tanto que tive de levar o filme para minha casa onde está ao lado dos livros, das cassetes, dos vinis e dos cds que te me fazem ouvir. Mas quando se tem uma coisa de que se gosta muito, sente-se necessidade de a partilhar. E por isso, e também porque hoje é sábado, escrevi este texto.

Saravá, poetinha.

José Coimbra Barbosa

P.S. O título é inspirado no nome da lindíssima canção Carta ao Tom 74 de Vinicius de Moraes e Toquinho.

Deserto da felicidade

Tenho saudades tuas... Do teu silêncio... Quando partilhávamos longos silêncios de cumplicidade! Tenho saudades do deserto e daquela terra e areia amarela onde me senti em casa, no meu meio, no meu ambiente! Era ali que eu pertencia... Àquele silêncio apenas quebrado pelo esvoaçar de uma águia solitária. Ali... A milhares de quilómetros de casa eu senti-me parte do cenário, do ambiente... De tudo o que por ali existia... A areia... O castelo... As águias, os camelos... E o silêncio. Nesse deserto de Palmiras (Síria) eu senti a felicidade que quase me sufocava, pois tudo aquilo parecia um déjà vúe... Onde até os cheiros me pareciam familiares... O tempo parecia ter parado e nada mais existia senão a suprema calma da felicidade! E ao longe, em pleno deserto existia um enorme lago azul, que mais parecia uma miragem, mas que não o era... Era mesmo um lago, azul cristalino... E como foi bom sentir a felicidade tão forte, tão intensa, que lágrimas correram cara abaixo... Aí então descobri... Descobri-me, que já podia morrer porque conheci a felicidade suprema do ser! Tal como o deserto se foi apoderando de mim, assim foi a felicidade que senti, fugidia, é certo, mas tão intensa que passados anos ainda consigo visionar todos os locais, todas as águias e camelos, e sentir todos cheiros e sabores do meu lugar de eleição! Talvez nunca mais lá volte, mas o sentimento e a saudade permanecem! Tal como um amor que nunca se concretizou... Ah! Saudade! Ah deserto! Foi tanto e tão pouco para ser feliz!!!
Maria Teixeira Gomes

Personagem comum

         As vias desta era de gente apressada, com suas sacolas cheias de fantasias e outros adornos do «marketing sentimento», são a causa e o efeito dos passos mais cansados daqueles que não encontram o seu lugar neste sistema. Os idosos esquecidos e encurralados na solidão são, evidentemente, os mais fustigados pela repentina alteração que a sociedade sofreu; não apenas porque estavam ocupados a trabalhar quando o mundo deu um salto tecnológico, mas também porque um dia acordaram e a sociedade considerou-os velhos de mais para participar neste novo ciclo; nessa altura, perceberam que os valores que conheciam também haviam mudado…
            No meio dessas divisões sociais cuja experiência de vida e a paciência terão aparentemente se tornado irrelevantes para este pseudo-progresso, há exclusão social em todos os níveis etários e sociais, desde que alguém não corresponda ao estereótipo comum. Os padrões impostos pelo consumismo impõem-se cada vez mais cedo e perduram durante toda uma vida. Enquanto a maioria se esforça para ser notada nos corredores onde os sorrisos amarelos se fundem num único plano de mediocridade e sofrimento sufocado, os actores brindam ao fim de cada actuação, tentando esconder entre cada riso e um comprimido anti-depressivo, o medo de um dia não pertencerem ao mesmo grupo; não reconhecem o amor e duvidam de si próprios. Os excluídos (que são diferente dos inadaptados convictos), ao contrário dos outros, passam a vida com lamúrias e pena de si próprios, vítimas de um irónico ciclo que iguala a todos através das mesmas drogas a que recorrem para esquecer a vida.  
            Se a multiplicidade é o princípio básico para a evolução, é impossível progredirmos enquanto espécie se todos formos iguais. Todavia, ninguém é igual a ninguém, a não ser, que todos decidam desempenhar o papel de um personagem comum neste triste episódio, onde grande parte dos meios de inclusão social (incluindo os credos) são apenas, derivados de derivados de conceitos irremediavelmente vazios e sem a menor criatividade, que entretanto perduram, porque continuam a vender ilusões a pessoas que se sentem igualmente vazias.   

Renato Córdoba