quarta-feira, 30 de novembro de 2011

OS PROSCRITOS

Segundo os preceitos religiosos que me foram impingidos na infância, já nasci condenado. Culpado desde o primeiro instante de vida por ter nascido, naturalmente, como nascem todas as crianças (como se eu tivesse escolha!), a carregar a herança maldita de um pecado que não cometi, e que fez de mim e de todos os seres humanos, proscritos do paraíso. Apesar do cenário desanimador, uma promessa contrastante com tudo o que é natural, oferecia a todos uma oportunidade de redenção, desde que houvesse sacrifícios para justificar a fé e muitas regras a cumprir. A insegurança divina não se limitava em exigir que a minha conduta fosse fundamentada apenas em princípios harmoniosos relativos aos meus semelhantes e no respeito pela sua criação, impondo intransigentemente a sua exclusiva adoração em relevo, antes de todos os outros mandamentos, ao ponto que o seu ciúme levou-o (segundo a bíblia) a punir com a morte todos os homens, mulheres e crianças que, na sua ingenuidade, adoraram outros deuses, ainda que fossem apenas imagens inanimadas.
Muitos anos mais tarde, pude comprovar que as inumeráveis religiões pelo mundo diferenciam-se não somente por terem doutrinas diferentes, mas porque cada uma também se transforma com o passar dos anos ou com o aparecimento de alguém a vaticinar aos homens uma nova profissão de fé. Naquele tempo, cheguei mesmo ambicionar um lugar especial no paraíso, pois, segundo os credos mais comuns, existe uma hierarquia, e talvez assim, pudesse ter algum poder de decisão para evitar que no próximo jardim celestial não fosse cultivada nenhuma árvore venenosa que induzisse os santos a um desastre semelhante ao que ocorreu com o primeiro projecto humano e resultou em todo este transtorno. Entretanto, à medida que eu ia conhecendo o mundo e as diferentes filosofias e histórias, as águas da purificação secaram por completo no meu corpo, e ficou em mim apenas o que é verdadeiramente meu. Libertei-me da promessa!
Estou convicto que existem homens de bem que professam a sua fé, e agradeço as melhores intenções. Mas não pedi a ninguém para se sacrificar pelos meus pecados! Prefiro continuar a ser o único responsável pelos meus actos. Além disso, eu não era nascido para intervir num acto de tamanha paixão… ou loucura!  
Normalmente este tipo de abordagem acaba por gerar alguma querela, como se a razão, ou a simples liberdade de expressão, fosse suficiente para ferir o orgulho dos crentes, motivando-os a um apedrejamento que, na maioria dos países, figura-se apenas em palavras de contestação (em medida justas), escritas por pessoas que insistem que “falam em nome de deus”. Todavia a intransigência não é um defeito de todos, e mesmo aqueles que professam a fé em Jesus de Nazaré e se dedicam verdadeiramente ao estudo da sua história (fictícia ou não), compreendem que seria contraditório tentarem praticar os seus ensinamentos mais nobres e por outro lado, agir como os fariseus.

Dedicado às mulheres inferiorizadas e
às crianças vítimas de severas restrições,
aterrorizadas no círculo das religiões mais radicais.

Renato Córdoba



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