sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ditadura da Maioria

Crónica de: Renato B. Córdoba

        A primeira vez que ouvi esta máxima: “A democracia é a ditadura da maioria”, fiquei a reflectir sobre o assunto por um longo período (isto é, evidentemente ainda o faço). O facto é que tive a oportunidade de fazer algumas observações, ainda que normalmente, este tipo de preceito sentencioso crie uma certa barreira para o desenvolvimento de ideias relacionadas. Neste caso, fi-lo para descobrir as causas e consequências para a sociedade, e por conseguinte, compreender como um sistema que – partindo de um pressuposto –, baseia-se na justiça e igualdade entre os cidadãos, continua a ser frágil e imensamente passivo à corrupção e à manipulação do seu próprio meio com fins pouco ou nada a favor dos cidadãos.
O filósofo Platão (séc. IV a.C.), chamou este tipo de anomalia no sistema democrático de “democracia desvirtuada”, com um caso em particular (e bastante visível nos dias de hoje), considerava um absurdo que homens com mais votos pudessem assumir cargos da mais alta importância, ainda que não fossem os mais preparados para essas funções. O que diria então se soubesse que actualmente, são atribuídos cargos públicos altamente remunerados por imposição do governo, sem o recurso a votos e algumas vezes, sem o devido mérito para o desempenho dessas funções?... Parecer-lhe-ia – julgo eu – no mínimo, um imenso paradoxo de um sistema que se intitula: Democrático.
A história tem outros exemplos não muito distantes, com anomalias que revelaram, inclusive, a face mais insana do ser humano, levada a cabo por regimes absolutistas que surgiram através da democracia. O maior exemplo é seguramente o Nazismo de Adolf Hitler, que venceu as eleições pelo Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (1932). Tudo o que se desencadeou com a perseguição das minorias religiosas e raciais, aconteceram com o consentimento, e mesmo com a acção efectiva dos alemães. Isto remete-nos para uma questão: Quando a maior parte dos cidadãos perde a razão, é justo que as consequências se abatam contra todos os outros?...
Mas voltemo-nos para os nossos dias para conjecturar sobre semelhante efeito. E se a vitória de determinadas eleições, a que os políticos costumam intitular “vitória da democracia”, não for mais do que o resultado de uma propaganda eleitoral mentirosa, mas tão eficaz que cumpra o seu objectivo? Como encarar a democracia cujo resultado recai sobre toda uma nação, se for igual a falta de educação política ou a “amnésia” da maioria dos eleitores? E se o futuro de todos for guiado pelo medo da mudança, pela mediocridade, ou por pura falta de conhecimento. E se a maioria não estiver à altura de tamanha responsabilidade, e os seus votos não sejam mais do que um aval aos incompetentes e aos prevaricadores?
É evidente que a democracia tem um limite imposto pelo próprio sistema. E só existe na camada mais próxima dos cidadãos, porque as regras de um mundo globalizado são arbitrariamente geridas pelos interesses financeiros dos países mais ricos e suas poderosas instituições. Não há democracia nos mercados internacionais, visto que alguns países estão simplesmente vetados de exportar as suas matérias-primas. Não há democracia nas instituições financeiras. Outro exemplo patente é a Organização das Nações Unidas, onde apenas cinco países integram permanentemente o Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França) com o direito de anular as decisões dos outros 10 países membros (com mandatos de dois anos) do mesmo conselho. Portanto, existem muitos exemplos, mas a verdade é que vivemos num regime semi-democrático, porque o futuro não depende somente das escolhas dos cidadãos, pois a coroa encontra-se no extracto mais elevado da sociedade, pousada sobre um regime autoritário e desumano, que dita as regras que todos os países devem seguir.
Todavia, a democracia permanece como a única ideologia capaz de tornar-se, algum dia, um sistema que configura um mundo mais justo e politicamente eficaz. Mas estamos longe deste objectivo. Enquanto não formos capazes de resolver os problemas mais próximos e que nos afectam directamente, com civismo, responsabilidade e um verdadeiro interesse pelas causas que afectam a todos, a democracia permanecerá estéril no sentido de ser e criar uma sociedade com governantes dignos e onde todos os cidadãos têm os mesmos direitos e a oportunidade de prosperar.    

               

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